quinta-feira, 10 de maio de 2012

Titanic Naufrágio Cem Anos Depois Ainda O Fascínio


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O Titanic tinha o que há de melhor e de pior no homem. Gigante dos mares, foi exemplo de ousadia e imponência, obra-prima da engenharia naval. Nele, também, viu-se a vontade de querer ser Deus, de ser perfeito, imune a falhas. Céu e ruína em 269 metros de comprimento, 28,5 de largura, 46.328 toneladas e capacidade para 3.547 pessoas. Era o maior transatlântico do mundo, propalado como inafundável. Mas bastou a viagem inaugural para o sonho se transformar em tragédia. Numa combinação de imprudências e erros estruturais, o choque contra um iceberg custou mais que a vida de 1.513 pessoas. Sepultou, no fundo do Atlântico Norte, um mito. Mas criou outro ainda maior. O naufrágio do Titanic exerce um fascínio difícil de explicar e mais ainda de entender. Rendeu estudos, canções, operetas, filmes, romances e poemas épicos através das décadas. Hoje, 100 anos depois, o planeta ainda discute, se espanta e faz perguntas. Algumas, talvez, nunca achem resposta.
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Cartão postal do ``inafundável´´ assinado por sobreviventes

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Capitão Smith com um Cachorro


A construção do Titanic foi reflexo do acirramento entre as companhias marítimas e do aumento do tráfego de passageiros entre Estados Unidos e Europa. Os emigrantes europeus, mais de 200 mil em 1850, saltaram para 1,4 milhão no começo da década de 1910. Entre 1891 e 1911, 9 milhões de pessoas atravessaram o Oceano Atlântico a bordo de navios britânicos. Foram 13 acidentes e 118 vítimas. A concorrência desenfreada exigia embarcações cada vez maiores, mais luxuosas e mais rápidas.
O batimento de quilha do Titanic, cerimônia que marca o início da construção, foi em 22 de março de 1909. O lançamento ocorreu em 31 de maio de 1911. O transatlântico da White Star passou por testes a partir de 1º de abril de 1912 e, no dia 10, tarde de uma quarta-feira cinzenta, tipicamente inglesa, o maior navio até então já feito zarpava de Southampton para sua primeira viagem. À noite, já estava no Atlântico.
O Titanic evidenciava a evolução – na verdade, revolução – da engenharia naval, que ali atingia seu ápice. Em meio século, o comprimento dos navios havia triplicado, a largura tinha se multiplicado por 2,5 e a tonelagem era 10 vezes maior. A velocidade, de 12 nós (22 km/h) em meados do século 19, chegava a 22 nós (40 km/h).
Não é difícil entender por que o transatlântico leva o nome de titã. A conta da curiosidade revela, entre outros dados, que a embarcação tinha 10 mil lâmpadas, 50 linhas telefônicas, 2 mil janelas, 10 mil louças e 21 mil talheres. Ou ainda 166 toneladas de carne vermelha, 55 de aves, 24 de peixe fresco, 13 de manteiga, 37 de farinha, 35 mil ovos, 7 mil litros de leite, 3.180 caixas de maçã, 1.500 litros de sorvete e 15 mil garrafas de cerveja. Além disso, era 1.004 toneladas brutas maior que o Olympic, seu irmão gêmeo. “Essa magnífica embarcação, obra-prima da engenharia, parecia marcar uma etapa decisiva na história da construção naval e era considerada insubmergível”, escreve um dos maiores especialistas navais do mundo, o historiador francês Philippe Masson, em Titanic – A história completa (Editora Contexto, 2011, 272 páginas), um livro definitivo sobre o tema.
“O Titanic parecia oferecer um nível de segurança inédito”, salienta Masson. O sistema de navegação – formado por bússola, leme, tábua de marés e hodômetro – estava na vanguarda técnica. Pelo tamanho, não cederia a vendavais. O fundo duplo, mesmo não alcançando a linha de flutuação, ofertaria resistência a um atrito do casco com o fundo do mar ou a um encalhe. Seria capaz, também, de continuar flutuando mesmo com dois compartimentos principais invadidos por água, uma vez que equipamentos como caldeiras e turbinas ficavam em divisões independentes. Em termos de energia elétrica, se equiparava a uma cidade de médio porte. Além disso, as cinco bombas de lastro permitiriam evacuar 400 toneladas de água por hora. Dispunha, por fim, de sistema contra incêndio.
NAUFRÁGIO
E lá foi o Titanic desbravar o oceano levando 2.224 pessoas a bordo e um punhado de sonhos e certezas que o mar haveria de contrariar. A chegada a Nova Iorque, prevista para as 5h de 17 de abril daquele longínquo 1912, nunca aconteceu. Na noite de 14 de abril, céu limpo, a temperatura sofreu queda brusca. O transatlântico chocou-se com um iceberg às 23h40, sofreu um rasgão no casco e, às 2h20, as águas geladas do Atlântico sugavam uma lenda. Não, o Titanic não era inafundável.
O mito maior, no entanto, nasceu a partir dali. Foi filho do drama, da incredulidade, do assombro e, sobretudo, da incerteza sobre o que levou o Titanic a naufragar. A primeira dúvida era: o capitão Edward John Smith, comandante do navio e considerado o melhor do seu tempo, sabia da presença de icebergs? Ao menos cinco mensagens foram enviadas de outros navios sobre os blocos de gelo e suas posições: às 9h, proveniente do Caronia; às 13h42, do Baltic; às 13h45, do Amerika; às 19h30, do Californian; e a última às 21h40, do Mesaba.
Dois destes telegramas, o terceiro e o quinto, não chegaram à ponte de comando. Jack Phillips e Harold Bride, os operadores de rádio, eram contratados pela empresa criadora do dispositivo, a Companhia Marconi, e pagos para retransmitir mensagens de e para passageiros. A negligência, classificada por Philippe Masson como “imperdoável”, é reputada como uma das causas do acidente. Smith, entretanto, sabia que ali, a 640 km dos Grandes Bancos da província canadense de Terra Nova, havia icebergs. Pelos outros telegramas, pela ausência quase que total de ventos, pelo baque repentino da temperatura, pela larga experiência. “Há o componente do erro humano no naufrágio. Um dos donos, a bordo do navio, deu ordem para o comandante acelerar, para tentar quebrar o recorde de travessia. Assim, mesmo tendo sido advertido de que estava em zona de icebergs, o capitão não diminuiu a velocidade”, observa o ex-instrutor de mergulho em naufrágios e pesquisador Marcello De Ferrari, administrador do site naufragios.com.br, em entrevista por telefone ao Jornal do Commercio.
Não foi só isso. No dia do centenário do desastre, uma certeza se sobrepôs a outra: o gigante oceânico estava longe de ser perfeito. Richard David Schachter, professor do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica (Deno) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), diz que o Titanic tinha uma série de defeitos e que as mudanças mais importantes na história da engenharia naval decorreram do fracasso do transatlântico.

O primeiro problema, lista, estava na compartimentação do navio. “O Titanic não tinha divisão em anteparas estanques, que são paredes por onde não passa água. No caso dele, as anteparas não iam até em cima, até o convés. Se um compartimento alagasse, enchia de água e passava para o outro lado. Foi o que ocorreu, um alagamento progressivo. Os novos estudos de compartimentação foram baseados na experiência do Titanic”, explica. Ao todo, cinco compartimentos foram inundados. Schachter cita que ainda não existia sistema de radar. A detecção de corpos estranhos só era possível mediante observação visual.
O sistema de salvamento também era inadequado. Havia 20 botes a bordo, o suficiente para abrigar apenas 1.178 pessoas – 33,2% da capacidade do navio e 52,9% da quantidade a bordo. Mesmo assim, botes se perderam em meio ao afundamento e só 711 pessoas foram resgatadas.
De Ferrari acrescenta que o metal usado no Titanic era impróprio. “As estruturas atuais são diferentes, feitas de metal mais maleável. O Titanic não tinha absorção de impacto e o casco abriu ao se chocar com o iceberg”, pondera. “O aço que se usa hoje resiste mais a impactos e variações de temperatura”, complementa Schachter.
Até o naufrágio do Titanic, não havia regulamentação para balizar a segurança da navegação. A criação de normas foi ainda postergada pelas duas grandes guerras mundiais. Somente em 1948 foi fundada a Organização Consultiva Intergovernamental Marítima, que 11 anos depois se transformou em Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). “O Titanic tinha os melhores conceitos de segurança de sua época, mas hoje vemos que era falho, ao contrário do que se imaginava”, afirma o especialista da Sobena. A IMO tem sede em Londres.
As pesquisas através dos tempos respondem muito, mas não tudo. Entre 1985 e 1986, pesquisadores oceânicos franceses e americanos encontraram, no Atlântico, a 4 mil metros de profundidade, os destroços do transatlântico que encantou e paralisou o mundo. O fundo do mar virou cemitério e santuário. Guarda relíquias inexploradas, vidas interrompidas e as perguntas que ficaram sem resposta.




Foto do Titanic no fundo do mar



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